ENTREVISTA EXCLUSIVA DE ZICO

07/06/2011 00:59

Zico, em entrevista exclusiva a GPS: programa de TV, Flamengo e (muito) futebol

Quando Arthur Antunes Coimbra, 58 anos, chegou para conceder a entrevista que você lê a seguir, estava mancando. Tinha machucado o joelho esquerdo na véspera, jogando futebol com os amigos, como costuma fazer toda semana. Muitas compressas de gelo e analgésicos depois, ele estava dentro do estúdio do canal Esporte Interativo, na zona sul do Rio, pronto para mais um dia de trabalho. O craque dos gramados arrisca-se agora também em outro campo: o de apresentador de televisão.

Quem o vê em ação, percebe que ele estuda o convidado, pede críticas e conselhos à equipe, decora textos. E raramente erra. Entre um autógrafo e outro (por onde ele passa, uma caneta e uma camisa parecem brotar do nada), entre uma viagem e outra, entre uma visita e outra às suas escolinhas de futebol, Zico continua sendo um ícone do esporte nacional. E agora, com um programa que leva o seu nome, Zico na Área, transmitido às quintas-feiras, às 20h30.

 

 

Você se imaginava como comentarista de futebol quando era jogador?

 

Não queria a obrigação de comentar jogos às quartas, sábados e domingos. Meus finais de semana hoje em dia são de dedicação à família. Por isso, comento apenas a Champions League [o campeonato europeu de clubes]. Só trabalho no final de semana em casos excepcionais. Não quero mais aquela vida de jogador. Tenho um compromisso sagrado com a minha família, com os meus netos.

 

 

Você sentiu falta da convivência com seus filhos durante a infância?

 

Era duro ver que todos os pais estavam presentes nas festas de escola e eu não. Meus filhos entendiam que eu estava trabalhando na concentração, viajando, jogando. Mas com os netos é diferente. Vou à natação, à aula de judô.

 

 

Algum comentário sobre sua atuação como jogador marcou sua vida pessoal?

 

Numa semana em que o Flamengo empatou com o Americano, o Zózimo [Barrozo do Amaral, colunista social, morto em 1997] publicou uma nota dizendo que eu tinha estado em uma festa no Hippopotamus [boite badaladíssima no Rio, nos anos 80] e bebido oito cervejas. O texto dava a impressão de que eu saía dos jogos e ia beber. Logo eu, que sempre bebi muito pouco. Aquele tinha sido o consumo da mesa inteira onde eu estava. Acho que ele, que era um flamenguista apaixonado, estava chateado com o empate.

 

 

Quando você decidiu fazer o programa, quem colocou na sua primeira lista de possíveis convidados?

 

O Ronaldo, o Júnior e o Adriano, além de Bebeto, Careca e Joel Santana e Mano Menezes, entre outros.

 

 

O Adriano?

 

Sim, eu o conheço desde novo e acho que seria interessante ele mostrar um lado diferente do que a gente costuma ouvir, das saídas dele na noite, essas coisas. Gostaria que ele mostrasse o coração que tem. Eu conheço a história do Adriano desde novo. Sei das dificuldades que ele passou. Claro que ele derrapa. É um cara que perdeu o pai, que era quem o segurava.

 

 

A última passagem do Adriano pelo Flamengo foi conturbada. E agora, de volta ao Brasil para jogar pelo Corinthians, ele logo se machucou…

 

O Adriano estava com a cabeça focada em voltar para o Flamengo, mas não aconteceu um acerto. No Corinthians, talvez na ânsia de mostrar serviço, algum tipo de trabalho pode ter sido feito precipitadamente para o peso dele. As pessoas acham que não vai acontecer nada, mas quando acontece, a recuperação nem sempre é fácil.

 

 

Como você avalia as últimas escolhas profissionais do Adriano?

 

A volta dele para a Itália não foi legal. Ele estava adaptado aqui, vinha de um campeonato vitorioso, embora tivesse perdido a Libertadores. Isso é normal, ele ia recomeçar. Só que a situação estava quase insuportável no Flamengo, porque ele estava criando problema para muita gente do clube. Não para os jogadores, mas para outras pessoas da equipe, que precisavam encobrir as faltas aos treinos, coisas da vida pessoal dele ali.

 

 

Por falar em Flamengo, você ficou magoado com a forma como saiu de lá. Resolveu essa situação?

 

Não. Não tem solução nenhuma. Eu quero é distância desse pessoal e acabou. Passo longe de todos eles, inclusive da Patrícia [Amorim, presidente do Flamengo], que foi uma grande decepção. Eu confiei na pessoa errada. Nunca vi ela se pronunciar sobre o tal contrato que foi questionado, embora ela mesma tenha assinado o contrato.

 

 

O que aconteceu exatamente?

 

Recebi comunicados internos enviados pelo Conselho Fiscal do clube. Esclareci todos esses, mas alguns dos que iam para a presidência não chegavam até mim. Era mais lógico responder a algumas delas pessoalmente e foi o que tentei fazer. Só que a Patrícia não deixou. Ela mandou o diretor da divisão de base esclarecer as questões sobre o CFZ, embora eu tenha me proposto a ir. Acho que ela preferiu assim, porque talvez eu fosse dizer coisas que ela não quisesse.

 

 

Por exemplo?

 

Que ela mesma tinha participado do contrato sobre o qual existia essa polêmica. Ela mandou outra pessoa falar sobre o que eu deveria falar. Mas volto a dizer que o contrato entre o CFZ, a MFD e o Flamengo não tem nada de errado.

 

Vazaram mensagens de um dirigente rubro-negro dizendo que o seu clube, o CFZ, teria sido favorecido em negociações de jogadores. Esse novo capítulo o pegou de surpresa?

Sim. Porque o caso parecia estar sendo resolvido. Mas, daí, o Flamengo é eliminado da Copa do Brasil e botam isso no ar de novo. Por quê? Para encobrir alguma coisa? Afinal, a Copa do Brasil hoje é o caminho mais curto para se chegar à Libertadores. A forma como o assunto voltou à tona foi acusatória, vazado propositalmente. O Flamengo está acusando o CFZ, que é um clube co-irmão de algo sério e vai ter que dar satisfação. Acusam também a MFD, empresa que o meu filho Bruno preside. Vão ter que provar. O Bruno vai ter um advogado para que isso seja resolvido. Essa situação não vai ficar barata, o nome do meu filho está nessa história.

 

Zagallo disse recentemente que a vida de Ronaldinho Gaúcho como meio-campo na seleção brasileira acabou. Você concorda?

Discordo. Fui eu, aliás, que acertei a vinda dele para o Flamengo. Mas para ele ter um desempenho melhor em campo, não basta comparecer aos treinos, tem que ter dedicação total. Treinar, se desgastar, se recuperar, treinar de novo.

 

Se ele fosse seu contemporâneo, num tempo em que futebol tinha mais drible e menos correria, teria uma vida útil mais longa na seleção?

Não acho que esse seja o problema. Os grandes jogadores se adaptam.

 

 

Muitos brasileiros torcem também para times de fora, já que nossos jogadores estão lá. Isso faz o trabalho como comentarista da Champions League mais interessante?

 

Esse campeonato é o maior e eu já participei dele. Assistir ao futebol, ver a estrutura e o clima é demais. Além do fator segurança, que é altíssimo. Parece Copa do Mundo. E os recursos tecnológicos são espetaculares, bem ao estilo da NBA. É natural que os jogadores brasileiros estejam fora, depois de anos de falta de investimento e estrutura dos clubes daqui.

 

 

Acha que já está na hora de o Neymar ir para o exterior?

 

O Neymar só está no Brasil ainda porque a Copa de 2014 será aqui. Isso faz com que os patrocinadores se esforcem para mantê-lo aqui.

 

 

Quais os nomes que você levaria para a Copa de 2014?

 

Lucas, do São Paulo, Thiago Silva e o Pato que, embora seja irregular por causa das contusões, é regular quando não está machucado. O caso do Kaká é o mesmo do Ronaldinho. Vai depender da condição dele mais para frente.

 

 

O Maracanã foi o seu maior palco, como jogador do Flamengo. Depois da reforma, não vai dar para reconhecer o antigo estádio. Você vai querer experimentar o campo novo?

 

Com certeza e já tem data. Em dezembro de 2013, vou encerrar minha participação no Jogo das Estrelas, que fazemos todo ano. Quero fazer isso no Maracanã. É o final de um ciclo. O lado bom é que ninguém mais me passa como o rei daquele Maracanã.

Por Paula Neiva